Melhor do mundo na temporada de 2023, o goleiro Willian tem uma história consolidada de vitórias, conquistas e identificação com o Joinville.
O catarinense de Jaraguá do Sul cravou seu nome no maior rival da cidade natal antes de se transferir para a Rússia e na Copa do Mundo mostrou não só ao Brasil, mas a todo o planeta o que o fez ser amado na maior cidade de Santa Catarina.
O apelido de “Paredão” foi dado pela torcida tricolor e, agora, é assim que o mundo do futsal o reconhece. Afinal, Willian levantou uma muralha no gol brasileiro durante todo o Mundial, especialmente na final contra a Argentina. Na terra dos hermanos, inclusive, ele foi taxado de “vilão”.
O camisa 3 bateu um papo exclusivo com o Grupo ND e falou sobre a preparação, a Copa do Mundo, as conquistas e, claro, sobre como é vencer a Argentina na final.
Confira a entrevista com Willian na íntegra:
ND: Suas redes sociais foram inundadas após a final e muitas pessoas não apenas te conheceram como se tornaram fãs. Como tem sido essa repercussão pós Copa do Mundo?
Willian: É uma loucura né? Infelizmente, eu acabei não conseguindo voltar para o Brasil para ter uma ideia do que está rolando. Alguns amigos e familiares têm mandado mensagem falando que está uma loucura mesmo, que todo mundo só fala disso. Seria muito bacana se pudéssemos ter voltado todos juntos para o Brasil, mas infelizmente temos nossos compromissos, nosso trabalho, muitos atletas tiveram que voltar para suas equipes já, porque já tem jogo no final de semana. Mas, assim, é loucura, né? O Instagram bombou com muitas mensagens. Tem a parte pessoal, mas o mais importante mesmo foi a parte coletiva, do que conseguimos mostrar para o povo brasileiro.
Como é olhar para trás e ver que todo o esforço de emendar temporada com Copa do Mundo, sem férias, foi recompensado?
Era um domingo, né? Domingo é o dia sagrado do brasileiro, né? Aquele churrasquinho meio-dia, todo mundo em família e uma final nossa, de Copa do Mundo contra a Argentina, o Brasil sendo campeão foi espetacular. Tenho certeza que ficamos marcados de uma forma bem especial na história. Eu acho que não só o goleiro William, mas o comprometimento de todo mundo. Nos comprometemos no nosso período de férias. Eu tive uma semana de férias com a minha família, que eu tirei para eles, porque eu estava sozinho aqui na Rússia. Depois eu voltei e já comecei a me preparar para a Copa do Mundo. Fiquei, se não me engano, três semanas treinando e me preparando para me apresentar no Rio de Janeiro. Outros atletas também fizeram. Eu acho que o comprometimento que tivemos com essa missão que nos foi dada fez toda a diferença. O comprometimento foi o diferencial desse grupo, desse time e dessa família que nós formamos.
Você considera que chegou ao ápice da carreira?
Eu acho que o ápice da minha carreira foram esses últimos meses de competição, onde eu recebi todas as premiações e tudo mais. Mas, de janeiro até junho foi uma luta muito grande que eu tive, desde quando eu me mudei para a Rússia. Em questão de desenvolvimento pessoal e tudo mais, foi maravilhoso, mas eu tive duas lesões, então eu fiquei, basicamente, uns dois meses e pouco lesionado aqui na Rússia e foi longe do que eu sempre desenhei para a minha carreira. Eu caí fora nas quartas de final da Liga da Rússia e sempre esperamos chegar na final. Mas, esse último mês acho que recompensou tudo. Receber o prêmio de melhor jogador do mundo na Futsal Planet, ainda atuando pelo Joinville, foi espetacular. Depois veio a Copa do Mundo, a surpresa de ser titular e conseguir dar conta do recado, o alívio no final é muito legal e muito satisfatório.
E a preparação? Foram mais de 30 dias sem saber se ficaria na lista final, como você recebeu a notícia da titularidade?
Ao natural, o Guitta seria o goleiro titular, por toda a experiência. Era a quarta Copa do Mundo dele e ele vinha sendo o titular da equipe. Eu tive participações importantes. Na Copa América, eu acabei sendo um pouco prejudicado por questões do clube, pela minha transferência para a Rússia. Eu estava em meio a uma turbulência de várias coisas e tentando correr atrás do tempo perdido, porque atrasou o meu visto e eu precisava estar na Rússia o quanto antes para poder estar em atividade, para tentar ser convocado para a Copa América, onde o Brasil foi campeão em cima da Argentina. Infelizmente, não aconteceu. Não tem como não ficar preocupado em meio a tudo isso. Depois, fui convocado para a Lituânia e fiz bons jogos. Falando da Copa do Mundo, todo mundo deu seu máximo, comigo não foi diferente. Claro que sempre estamos preparados para jogar, mas eu comecei a ficar um pouco mais em alerta, porque o Guitta acabou sentindo um desconforto e ficou um tempo sem treinar. Tivemos um amistoso contra a equipe do Vasco, onde eu iniciei o jogo. Depois dos amistosos no Uzbequistão, eu iniciei o primeiro jogo e o Roncaglio acabou entrando também. Só que a cabeça virou um trevo quando no segundo amistoso eu nem participei do jogo. E aí eu falei: com certeza o Guitta que vai iniciar a Copa do Mundo e tudo certo.
E como você soube que seria titular?
Eu fiquei sabendo quando entrei para aquecer contra a seleção de Cuba. Eu entrei e, como de costume, coloquei minha toalha na rede e comecei. Nisso, o Fred veio conversar comigo., começou a falar do jogo: faz isso, eles fazem aquilo, fica ligado com isso e tal. E eu: Por que está falando isso agora? E ele disse: porque tu que vai para o jogo, é tu que vai jogar. E assim começa o meu caminho jogando de titular da Copa do Mundo. E o Fred merecia muito esse título. Até falei para ele depois da conquista, um dos motivos de força que eu tive para enfrentar tudo isso aí era agradecer a ele por tudo que ele já fez por mim. No momento mais importante da minha carreira, eu estava com uma pessoa que é da minha confiança. Quando estava acabando a primeira fase, tivemos uma conversa e ele disse para eu me manter focado, não desviar minha atenção para nada, porque ele sabe que quando eu estou focado eu sou um monstro, as palavras dele são: você é um monstro embaixo das traves.
“O pensamento era o que eu tinha sonhado para a minha carreira toda e para a minha vida toda”.
Qual foi o momento mais difícil para você durante essa campanha na Copa do Mundo?
Para mim não foi nem a parte do jogo, mas sim a administração mental que eu tive que ter depois do jogo contra a Ucrânia. Contra a Ucrânia foi um jogo muito difícil. O Guitta entrou muito bem e nos salvou. Para mim foi esse trabalho mental da semifinal para a final, porque a enxurrada, e não tem como não ver, a enxurrada de comentários, informações e tudo mais falando que o Guitta deveria jogar a final foi gigantesca. E novamente só soube que jogaria a final quando entrei para o aquecimento. Ali, o pensamento era o que eu tinha sonhado para a minha carreira toda e para a minha vida toda. Então, eu não entraria de qualquer forma sem dar o meu melhor.
Na Argentina, te classificaram como “vilão”, além de criticar o que consideraram uma postura defensiva do Brasil. Como você enxerga essas críticas ao jogo da final?
Todas as vezes que perdem para nós, eles sempre arranjam alguma coisa. Nunca é mérito dos brasileiros. Nunca vai ser mérito dos brasileiros. Eu li no Diário Olé, se não me engano, eles falando que era um alívio para eles o Guitta não jogar, mas desde que eu estou na Seleção Brasileira, nunca perdi para a Argentina e já ganhei deles lá dentro da Argentina com grandes atuações, fui campeão no Desafio das Américas nos pênaltis em cima deles. É mídia né? Eles falam o que eles acham que tem que falar, faz parte.
“É mais um degrau que subimos na construção do nosso esporte, do nosso país.”
E sobre esse grupo que quebrou um tabu de 12 anos, o que você tem para falar?
A Seleção Brasileira ficou por bastante tempo longe do grande público, devido aos problemas que tínhamos de administração e conseguimos mostrar novamente as caras do futsal brasileiro em um grande momento. Porque todo mundo falava que quando o Falcão parasse de jogar, a seleção acabaria, e realmente o Falcão foi o melhor da história, mas temos muita qualidade, muitos jogadores que poderiam suprir isso, né? Talvez não na qualidade que o Falcão tinha, mas desde então tem vários jogadores que foram melhores do mundo, coletivamente mostramos que somos muito fortes, porque falavam também que a Seleção Brasileira era só individual, era só ataque e mostramos que a nossa defesa foi muito forte durante a competição toda. Então, mostramos que tudo que falavam da seleção, que a seleção não tinha, mostramos que temos sim. Falavam que o jogador brasileiro é vaidoso, que o jogador brasileiro só quer saber de dinheiro, esse é o perfil que pintam do jogador de futsal e mostramos que não é nada disso, que temos muito coração para brigar pelo nosso país. E não foram apenas os atletas, a comissão técnica também, todo mundo deu seu melhor lá e no final conseguimos esse tão sonhado título, conseguimos trazer esse título de volta paro nosso Brasilzão, que merecia muito.
Qual foi o fator que fez o Brasil ser diferente nessa Copa do Mundo?
Comprometimento e humildade. O Marquinhos soube levar muito bem o grupo nessa questão de mostrar que todo mundo teria o mesmo peso ali dentro. Todo mundo teria que trabalhar para ter seu espaço. Se não estivesse bem no jogo não jogaria mesmo. Foi um grupo muito legal de trabalhar e ninguém achava que era melhor do que ninguém, ninguém ficou querendo se beneficiar de alguma forma. No meu caso, eu estava jogando ali e o Guitta e Roncaglio são mais velhos do que eu. O Guitta é um dos maiores goleiros da história do Brasil e me ajudou muito, sempre conversando nos pedidos de tempo dentro da quadra dando dicas e falando, tentando me ajudar de alguma forma. Então, acho que isso mostrou o que foi a cara dessa seleção.
Qual é o legado que esse título deixa?
Eu acho que isso vai deixar um legado bem legal para as crianças. Eu recebo muitas mensagens de crianças falando que até jogam no campo, mas que querem sair do campo, porque querem jogar futsal. Isso é muito legal, e poder mostrar o futsal para a grande massa brasileira, mostrar que tem futuro nesse esporte. Esperamos que as coisas melhorem, claro que não vai ser de uma hora para a outra, não vai ser porque ganhamos a Copa do Mundo que amanhã vai estar todo mundo ganhando bem e tudo mais, mas é mais um degrau que subimos na construção do nosso esporte, do nosso país.