O Joinville tem um torcedor dentro de quadra. Alex Domingos da Roza nasceu em Chapecó, mas desde 2011 vestiu a camisa de segundo time na carreira como se fosse o primeiro e único de sua vida. Leco é intenso, mergulha profundo, assume o compromisso e a identidade da equipe que defende. Encarna o espírito de quem torce, faz dentro das quatro linhas o que gostaria de um jogador do time que escolheu. O jogador de 31 anos tem o sentimento como o combustível próprio para seguir. Chama-o de essência.

Do Oeste de Santa Catarina foi para Jaraguá do Sul e esteve por toda a chamada década de ouro da equipe catarinense (2000 a 2010). Ao final, percorreu os cerca de 40 quilômetros que separam o município de Joinville para vestir a camisa do maior rival além do ato em si. Tomou o histórico da equipe como se fosse o seu e assumiu as cores e o compromisso com quem vai ao Centreventos Cau Hansen acompanhar o conjunto joinvilense. Leco não consegue desassociar seu futsal da equipe, só sobrevive dentro dela.

– Já fui torcedor e acho que a gente não pode perder a essência do que é o esporte. Por mais que seja profissional, e é a minha profissão, meu sustento, acho que não se pode perder a essência de jogar bola, que é algo que mexe com a paixão e emoção de quem assiste. Fui do tempo de estar na arquibancada e saber de cor a escalação do time que estava em campo. Na troca constante dos dias atuais, o torcedor não consegue mais fazer isso. Guardo comigo essa essência de vestir a camisa e ser identificado com a torcida – descreve-se.

Tal preceito moldou a imagem de um fixo que transborda raça quando entra em quadra e o faz ser apontado mais como guerreiro do que jogador. O currículo comprova isso: são quatro títulos da Liga Nacional, sete da Taça Brasil – mais um e será o atleta que mais a conquistou na história. A última delas foi no primeiro ano pelo Joinville. Do caneco até a atual quinta temporada são oito conquistas das 12 finais que disputou na vida com a camisa azul, branca e vermelha. Não à toa alcançou a expressiva marca de 300 jogos pela equipe.

Leco é como um pássaro: tem a necessidade de construir seu ninho onde esteja. Ele precisa fincar suas raízes para dar frutos, como uma planta. Por isso faz parecer natural ultrapassar a expressiva quantidade de partidas por um time.

– Acho que por alcancei isso por dois fatores. O primeiro é permanecer na mesma equipe por um tempo. Para isso dar certo, tem que haver cumplicidade e lealdade entre equipe e atleta, entre diretoria de jogador. Acho que tenho isso aqui em Joinville. Conquistei o respeito vindo de uma equipe rival (Jaraguá), tinha a desconfiança inicial quando cheguei, e até natural, mas fui bem acolhido e isso favoreceu para que eu desenvolvesse aqui o que fazia lá, às vezes até melhor. Isso criou o laço forte. O segundo é ter característica de jogador com pouca lesão. Foi neste ano que tive a primeira lesão muscular em toda a minha carreira, já aos 31 anos. É difícil eu ficar de fora de algum jogo, cheguei a pedir para não ser poupado algumas vezes. Isso também acrescenta. A constância de estar em quadra e sempre à disposição do treinador também contribuiu bastante para a marca de 300 jogos – justifica.

Como raro craque-camisa, Leco toma como obsessão pessoal o objetivo da equipe. Classificado para o mata-mata da Liga Nacional Futsal, o Joinville aguarda a próxima e decisiva fase. O camisa 8 também, porém conseguiu se desligar por pouco mais de 10 minutos para conversar com o GloboEsporte.com.

À beira da quadra do Centreventos Cau Hansen, teve um raro momento de relaxamento após o treino para falar sobre os 300 jogos com o Joinville, o início da carreira, o que ainda tem pela frente e da pedra fundamental na vida como atleta: o irmão Junai, atual companheiro de equipe e quase que seu primeiro técnico.

GloboEsporte.com: Você não é de trocar de equipe, tanto que o Joinville é o segundo de toda a sua carreira.

Leco: Exatamente. Eu cheguei no Jaraguá em 2000, com 16 anos. Vim de Chapecó e passei a da profissionalização pela equipe até o encerramento dela, em 2010. Foi quando vim a Joinville, e estou até hoje. Estou há cinco anos aqui, estou fazendo a quinta temporada agora.

Neste período não teve propostas para sair?

Tive propostas e boas, inclusive do exterior. Só que chega um momento em que a carreira pesa mais que o dinheiro. Sempre fui muito de casa, de família e de amigos, contaram muito. Da parte financeira, me senti valorizado pelos clubes que estive. Em Jaraguá faziam questão de renovar meus contratos e em Joinville tem sido igual. Claro que eu poderia ganhar mais, mas prezo pela identidade, de vestir a camisa, de comprar as ideias de um projeto. Se tenho identificação com isso, não é qualquer dinheiro que vai me tirar.

Como faz para chegar aos 31 anos jogando em alto nível e, principalmente, com pouquíssimas lesões?

Tento levar uma vida mais regrada, com acompanhamento de especialistas, com suplementação alimentar. Sei a diferença que faz ao alto nível, qualquer detalhe faz a diferença em quadra. Pode me faltar qualidade técnica ou algo assim, mas tento compensar com isso, com cuidados com álcool ou com a noite, ter uma boa noite de descanso. Acho primordial para um atleta de alto rendimento.

Então a sua noitada é na cama.

É, dormindo (risos)

Qual o momento mais marcante ao longo destes 300 jogos pelo Joinville?

Acho que teve no meu primeiro ano a conquista da Taça Brasil, em Orlândia. Vencemos nos pênaltis e nossa equipe chegou na competição desacreditada. Conseguimos seguir juntando os cacos, com medo de ser goleado, de passar vergonha. E conseguimos vencer. Então, aquele jogo ficou marcado, porque foi especial, de reconstrução da equipe. A gente tinha caído fora da Liga no ano anterior, o treinador foi mandado embora.

Mas este era seu primeiro ano, bem no começo de seu período em Joinville. Você chegou na equipe e absorveu o que havia passado antes de sua chegada?

Sim, absorvi. E ainda conseguimos ser campeões.

 

Algum outro momento além deste?

Teve a conquista do Catarinense em 2012, contra o Jaraguá na Arena Jaraguá. Nossa equipe ganhou aqui (Joinville), perdeu lá no tempo normal e a decisão foi para a prorrogação. No tempo extra e com um jogador a menos, conseguimos fazer dois gols. Foi um momento muito difícil, de aprovação da equipe, e que conseguimos ser campeões em Jaraguá.

 

Com 31 anos e uma carreira repleta de títulos e marcas, o que te faz seguir e, principalmente, com vontade de mais conquistas?

Acho que está na minha essência, do sonho de criança em jogar bola, de estar em quadra, de ver o ginásio cheio. Isso ainda me provoca muita emoção e adrenalina em mim. Entrar em jogo no ginásio cheio, a responsabilidade de jogar bem e corresponder, isso é uma chama muito viva. Financeiramente, continuar jogando ainda conta um pouco, apesar de uns anos para cá eu ter encaminhado as coisas fora de quadra, no ramo da construção civil e recentemente no alimentício. Tenho tentado arrumar a minha vida fora, preparando a parada do futsal. Mas o primordial para me manter motivado é saber que mexo com emoções. Tem crianças que vem ao ginásio para te olhar.

Isso ainda te emociona?

Sim, ser considerado um espelho é legal. Entro em quadra com as crianças de mãos dadas, conversando com elas e me falam que um dia vão jogar comigo. Comigo eu acho difícil (risos). Mas isso me emociona porque estive do outro lado. Eu me recordo disso, tenho lembranças ainda bem vivas do que eu pensava dos atletas, de lembrar que eu gritava e incentivava enquanto corriam. Sei o que a criança sente e isso mantém a chama viva e forte para continuar em quadra e 100%, “pau” todos os dias, chegar ao jogo e render, ser referência. Eu estou com 31 anos e quero chegar aos 34 ou 35 ainda sendo uma referência, que as crianças continuem a apontar para o número 8 porque está jogando bem.

Nesta trajetória e marcas o seu irmão, Junai, três anos mais velho, teve alguma influência?

Meus pais são separados desde minha infância, quando eu tinha seis anos. Meu irmão foi um espelho grande ainda em casa. Ele começou no esporte cedo e, ainda criança, ele me puxou para meu primeiro teste. “Vai lá, se prepara, dorme bem esta noite, se alimenta e arrebenta no teste”. Ele foi me arrastando, veio para Jaraguá em 1997 e eu cheguei em 2000, também com alguma influência dele. Eu tinha a pressão dele a toda hora. Quando me separei dele, em 2003, depois de quatro temporadas juntos, porque ele foi para Caxias do Sul, eu senti muito. Isso porque eu ia para os treinos e não tinha mais um cara me cutucando a toda hora. “Vamos, vamos. Está errado, acerta”, dizia. Eu fiquei meio que sozinho, ainda que tivesse grandes amigos, como o James, o Chico, que me acolheram e foram exemplos.

Ele é uma espécie de treinador particular seu.

Mas meu irmão foi primordial, ele insistia o tempo todo que eu poderia melhorar. Eu entendo, e hoje ainda melhor, que era para eu pudesse mais, para que fizesse mais e melhor. Era isso todos os dias e que me formou como jogador. Os títulos que tenho, cheguei aonde cheguei por causa da aplicação que foi influenciada por ele. Se eu não tivesse alguém para me puxar e chamar atenção, talvez estivesse acomodado e não teria chegado aonde cheguei.

Notícia e Imagens: João Lucas Cardoso