Atualmente com 55 anos, Jorge Luiz da Costa Pimentel, o Jorginho, é uma história viva de superação com a cara do Brasil. Usou o esporte para vencer as dificuldades da infância em uma comunidade pobre e violenta do Rio de Janeiro. O ex-jogador de futsal adotou o município de Parobé, no Vale do Paranhana, como casa há 11 anos e, em 2024, retorna ao futsal como treinador do recém-criado Caxias do Sul Futsal, o antigo Vila Gauchinha.
Entre os primeiros contatos com o futsal e o novo desafio, agora à beira das quadras, Jorginho precisou driblar mais do que marcadores para vencer na vida. O garoto que não tinha tênis para treinar recebeu, em 1992, a Bola de Ouro da Fifa e foi eleito o melhor jogador de futsal do mundo.
No Rio Grande do Sul, o Jorginho ganhou, como segundo nome, o número 13, que estampava o seu uniforme na extinta Enxuta, time caxiense que fez história ao conquistar ao ser bi-campeão da Taça Brasil, em 1995 1996, e tricampeão da Série Ouro, em 1993, 1994 e 1995, conquistas que tiveram os pés decisivos do então pivô.
Em entrevista à GZH, Jorginho 13 fala sobre o novo desafio como treinador, mas vai além, e lembra detalhes da trajetória pessoal e profissional. Entre as histórias do ex-jogador, estão aos as dificuldades da infância pobre no Rio de Janeiro, os anos de glória no Rio Grande do Sul, a vida política e a relação com a drogas.
Como está se sentindo diante do desafio como treinador do Caxias do Sul Futsal?
Estou muito feliz de retornar a Caxias do Sul, depois de 28 anos, como treinador. Amo muito essa cidade, tenho gratidão e estou encarando como uma das maiores oportunidades da minha curta carreira como treinador. É uma expectativa gerada não só por mim, mas pela diretoria, pelo time que a gente está formando, fazer uma grande campanha e poder enfrentar os tubarões de igual para igual dentro das nossas condições.
Vamos voltar no tempo e falar da tua infância. Como foi o teu primeiro contato com o futsal?
Eu, como muitos craques do futebol, do futsal, enfim, muitos craques da bola, venho de comunidade, do gueto, de periferia. Eu fui criado no Riachuelo. Riachuelo é um bairro no Rio de Janeiro que é cercado por favela e, praticamente, a minha infância foi fazendo o que eu mais gosto. Eu era tão feliz e não sabia. Jogar bola o tempo todo. A gente não tinha videogame, não tinha essas paradas todas, então era futebol, pipa e bola de gude, o que eu mais amava.
Quando esse olheiro me levou para fazer esse teste lá, eu falei para ele, cara, eu não tenho um tênis. Como é que eu vou treinar?
Uma vez eu estava jogando futebol lá no bairro, na segunda-feira de noite, com muita chuva, e tinha um senhor olhando a pelada da rapaziada. Acabou o treino, ele me chamou. A gente ficou meio assim porque nunca tínhamos visto aquele cara ali no bairro. A gente era moleque, mas a gente era esperto, né cara? Temíamos o que a gente ouvia falar do bairro, ali no morro. Eu fiquei um pouco medo. Aí eu convidei meus amigos para ir junto. Fomos até esse cara e ele se apresentou: o meu nome é Geraldo, eu sou olheiro. Quando ele falou olheiro, a galera vazou, né cara? Acharam que ele era do tráfico. A gente tinha ouvido falar de olheiro. Ele conversou comigo, me levou para um clube, conversou com minha mãe e me levou para um clube para me fazer um teste. E olha aí, estou até hoje dentro das quadras. Já se vão 45 anos.
Quando eu cheguei no meu primeiro clube lá no Rio de Janeiro, chamado Piedade Tênis Clube, lá no subúrbio, com 9 para 10 anos, o campeonato já estava rolando. Quando esse olheiro me levou para fazer esse teste lá, eu falei para ele, cara, eu não tenho um tênis. Como é que eu vou treinar? Eu tenho um tênis para ir para a escola, minha mãe não deixa eu usar, é só para ir para a escola. Por isso que, às vezes, eu não saio com os caras para dar um rolê e tal, porque eu não tenho um tênis. Ele falou: não tem problema, fica tranquilo que logo você vai ganhar o kit. O kit era camisa, calção e meia. Ele ia me dar um tênis.
Nos primeiros 30 dias, eu treinei descalço. Era motivo de chacota, porque a molecada não perdoa. Hoje é bullying, mas os caras zoavam.. Aquilo me machucava muito. Eu falava para mim, “deixa a bola rolar, deixa a bola rolar, deixa a bola rolar”. Um pai de um menino se sensibilizou e perguntou se eu não queria um tênis. Até então, eu não tinha ganhado o kit. Desde aquela época, já tinha os “conversinhas” do futebol. Sempre tem. E aí eu me sensibilizou. Me ofereceu um tênis do filho dele que não servia mais. Só que era número 35. E a família ali tinha bastante dinheiro. Como eu calçava 33, dei meu jeito, né? Botei um jornalzinho, apertei ele, meti a mão assim para marcar os dedos, botei um tênis, e aí foi só alegria, parceiro.
Qual foi o teu primeiro clube profissional?
O Bradesco. O Bradesco tinha uma seleção né, cara?
Como você veio parar no Rio Grande do Sul?
Minha primeira equipe no Rio Grande do Sul se chamava Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Eu vim para o Grêmio. Eu estava jogando o Campeonato Brasileiro de Seleções Juvenil de Estados. Então, consequentemente, tinha Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, e eu estava com a seleção carioca. A gente foi campeão.
O diretor da seleção gaúcha era do Grêmio, o falecido Sérgio Mosch. Eu joguei uma temporada no Grêmio e, logo depois, fui para a Enxuta. O Grêmio tinha um timaço na época. O goleiro era o Barata, e ele também era treinador do juvenil, e eu tinha idade de juvenil. Eu fui contratado para o adulto, mas, quando me contrataram, ele pediu para mim jogar as finais lá, do quadrangular final, pelo juvenil, Joguei e fui campeão. E o Barata já tinha acertado para ser treinador da Enxuta. No ano seguinte, eu fui para a Enxuta, onde eu atuei por, se eu não me engano, oito anos de 11 nos quais a Enxuta existiu.
Quais são os principais lembranças da Enxuta que você guarda até hoje?
A minha vida se resume a antes e depois da Enxuta. Eu era Jorginho e pós-Enxuta passei a ser Jorginho 13. Uma equipe que me deu uma estrutura incrível para trabalhar. A gente treinava de cinco a seis horas por dia. Tudo que eu queria na minha vida era ter uma equipe assim, para poder me desenvolver, e foi no que deu. Ganhei todos os títulos possíveis, cara. Ganhei Taça Brasil, ganhei estadual, Brasileiro, copas internacionais. A Enxuta é a maior história da minha vida, até mais que a seleção brasileira.
Na Enxuta, lembro do meu mestre, meu grande mestre, Morruga, que me ensinou muito, aprendi muito com ele. Ortiz, PC, Paulinho Sananduva, Mauro Macaco, goleiro, Bagé. Cara, deixa eu ver mais quem aqui. Choco, Manoel Tobias, Fininho, Danilo, Manta, Bicudo, Edesio, Acidésio.
Lembro de vários títulos, várias comemorações. Lembro bem que, quando a gente era campeão, a gente desfilava na cidade com carro de corpo de bombeiro, e aquela galera atrás buzinando. Tem uma imagem que não sai da minha cabeça. A gente foi campeão do Brasil e passamos pela Avenida Júlio de Castilhos, de caminhão. Lembro da a galera na janela jogando papel picado. Saudades eternas, parceiro.
E os títulos com a seleção brasileira?
O maior deles foi ser campeão mundial em 1992 em Hong Kong. Na mesma ocasião, fui eleito o melhor do mundo. Eu sou o primeiro brasileiro da história de todo tipo de futebol a ganhar a bola de ouro da Fifa. Isso foi um fã que pesquisou para mim. Que orgulho! Por isso que eu tenho uma gratidão enorme a Deus, eu tenho um amor, um temor a Deus, por ele me dar esse dom de jogar bola que e ele deu para poucos. O esporte é transformador. Transformei duas gerações da minha família. Sou também embaixador da Fifa atualmente. Essas entrevistas são muito bacanas porque viajo na maionese. Salve, Jorge!
Você tem filhos caxienses, não é?
Tenho dois filhos e duas filhas caxienses. O Pedro Caetano Veríssimo, hoje de 37 anos, empresário do ramo de consórcio e investimento, do ramo da Wolf Consórcio. E tenho o Iuri, que é goleiro do Lagoa Futsal, e que foi eleito duas vezes melhor goleiro do Estado. Tenho dois netinhos. O Pietro, que é filho do Pedro, 6 anos agora, esse daí tem o DNA. Esse joga bola, esse moleque é incrível. E tenho o filho do Iuri, o Dom, que recentemente fez 1 ano e 3 meses. O filho do Pedro é meu príncipe e o do Iuri é minha joia rara.
Quando você parou de jogar e quando foi seu último clube?
É uma decisão difícil porque envolve muita coisa. Não é só tu parar de jogar futebol. É a parte financeira. A parte familiar. A parte psicológica. Influencia muito, cara, muito, muito. Meu último clube foi o Clube Atlético do Vale, aqui de Parobé, onde eu moro, onde eu moro há 11 anos. Eu encerrei com 42 anos de idade. Eu fique triste quando lembro que parei de jogar profissionalmente.
Você tem ido de Parobé a Caxias todos os dias para os treinamentos?
Terça e quinta, eu não abro mão, porque eu tenho minhas escolinhas, que é a íris dos meus olhos, né, cara? Meu sonho. Minhas escolinhas ali, com o projeto social dentro. É a minha íris. É meu sonho, é minha fortaleza, é meu tudo. Ano passado, completou 10 anos de escolinha, em Parobé. Projeto social “Jorginho 13, Cidadão Sem Diferença”.
Em 2022, você se candidatou a deputado federal pelo Rio Grande do Sul, mas não se elegeu. Pretende continuar na vida política?
Eu convivia num mundo da marginalidade. Papai do céu me deu esse dom de jogar bola e eu pude sair.
Eu fui a deputado federal pelo Solidariedade. Eu fui também, uma vez eu fui candidato a vereador aqui em Parobé, na pandemia. Ali, na pandemia, foi a maior barca furada que eu entrei. Mas, cara, tem três coisas que, na minha opinião, estão muito relacionadas com a nossa vida: a política, a matemática — tudo é número — e o esporte. Cara, eu ainda acompanho a política. Debato, às vezes, pela internet. A gente quer fazer o melhor.
A gente quer fazer algo a mais nesse país, entendeu, irmão? Eu já faço. O trabalho que eu faço é digno de aplauso, que é de excelência. Porque mexer com criança não é para qualquer um, não, parceiro. Mexer com criança é muito difícil. Não é para qualquer um. E quantos meninos eu já tirei da rua? Quantos meninos não têm oportunidade no clube, no Grêmio, no Inter, no Aimoré, no Novo Hamburgo, no Caxias, no Juventude? Quero mais que esses moleques se saiam bem na vida e sigam a vida deles. Assim como fizeram comigo.
Você teve uma vitória pessoal sobre as drogas. Você fala abertamente sobre o assunto? Que lição você deixa a partir dessa dificuldade?
Isso é um passado muito complicado, né, cara? Isso já vem de infância. Eu convivia num mundo da marginalidade. Papai do céu me deu esse dom de jogar bola e eu pude sair. A primeira vez que eu usei drogas na minha vida, eu tinha 13 anos. Era obrigado, forçado, para trabalhar pro tráfico. Os patrões do morro que mandavam na gente. Era na porrada. E, depois, eu tive momentos terríveis aí com droga. Para mim, fica tudo pra trás. Já era, papai do céu me abençoou. Mas fica o recadinho, né? Cuidado, cara. Cuidado com as tuas companhias. Você, pai. Você, mãe. Cuida teus filhos na internet, telefone. Cuida. Cuida. Cuida. Vocês não têm noção do que rola nesse mundo, nesse submundo de internet. Antigamente era cara a cara. Hoje, não. É tudo pela internet, né? Mas, enfim. Passado tenebroso. Graças a Deus, tá tudo bacaninha. Tá tudo certo. E vamos pra luta. Vamos pra luta.