O ala Dyego sairá do Uzbequistão consagrado, com o prêmio pela Bola de Ouro adidas e, principalmente, por ter tido a chance de, como capitão da Seleção Brasileira, erguer a taça de campeão mundial de futsal. E pensar que, para isso, ele precisou passar por toda a fase de grupos com seu jogo limitado, sem poder chutar a bola com a perna esquerda.

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Brasil 2×1 Argentina | Foto: FIFA

Era 27 de março quando o craque soube que precisaria de uma cirurgia para reparar uma lesão em um tendão do quadríceps em sua coxa esquerda. Depois, recebeu do Dr. Jordi Puigdellívol uma notícia preocupante. Em tese, a estimativa para ele voltar às quadras seria de seis meses.

Esse prazo não só significaria que ele perderia o restante da temporada pelo Barcelona como também poderia deixá-lo fora da Copa do Mundo de Futsal da FIFA Uzbequistão 2024, cuja rodada inicial foi jogada em 14 de setembro. A conta, portanto, não fechava.

No entanto, quando o Brasil goleou Cuba por 10 a 0, em Bukhara, lá estava Dyego com sua camisa 7 e a tarja de capitão no braço. E não é que ele tenha se recuperado miraculosamente no período pós-operatório. Ele simplesmente pulou etapas para poder defender a Seleção, chegando a um acordo com o médico do Barça.

“Seriam seis meses para ficar inteiramente recuperado. Mas não daria tempo. Então a solução encontrada foi começar a treinar com algumas restrições. Por exemplo: ele me aconselhou a não chutar com a perna esquerda durante toda a fase de grupos”, relata à FIFA o jogador que ganhou o prêmio de melhor da Copa . “E foi isso que fiz, não bati nenhuma e esquerda.”

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A perna direita, para constar, estava 100% e foi usada por Dyego para anotar o segundo gol contra a Croácia, na segunda rodada, com um tiro livre da segunda marca do pênalti – foi seu primeiro gol num Mundial, mas também único gol nas primeiras partidas um tanto discretas para alguém de seu talento.

Agora há uma explicação clínica para isso. E, além do mais, a equipe estava voando em quadra, permitindo que um de seus craques se preservasse. “E obviamente era importante que ninguém soubesse, que os adversários ainda pensassem que eu poderia cortar para a esquerda e ser uma ameaça. Se não, iam tirar minha perna direita”, diz.

O curioso é que, na final contra a Argentina, Dyego também não usou a perna canhota para finalizar. “E agora estava liberado”, comenta, rindo.

“É um sentimento de alegria, de dever cumprido. Foi na raça. Há uns meses, operando minha perna, eu estava numa sala de cirurgia, tive de jogar com cuidado, e deu certo: a perna aguentou e nós somos campeões. Nós tínhamos uma responsabilidade muito grande de colocar o Brasil novamente no topo. O futsal brasileiro é o melhor do mundo, mas estava faltando esse título há um tempo.”

Quando chegou a fase decisiva, Dyego já estava mais confiante, fortalecido, pronto para fazer o que fosse preciso para levar a Seleção de volta à final da Copa do Mundo de Futsal após 112 anos. E ele gastou a bola. Nas difíceis vitórias contra Marrocos (3 a 1 pelas quartas de final) e Ucrânia (3 a 2 pela semifinal), ele foi eleito o Jogador da Partida.

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A atuação na virada contra os ucranianos foi especialmente decisiva: ele marcou dois gols e ainda chutou a bola que forçou um gol contra. Antes, contra os marroquinos, ele fez um golaço em jogada individual, em que fingiu que faria o giro para fora (para a esquerda) e puxou a bola para o centro para finalizar. Nenhum de seus gols foi com a canhota, diga-se.

Além dos gols, em ambos os jogos Dyego foi fundamental para acalmar e liderar a Seleção em momentos em que tanto o Marrocos, com movimentação frenética, Ucrânia, jogadores fortes, dinâmicos, forçando lançamentos profundos, levavam vantagem do ponto de vista físico.

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O ala dominava a bola, dava as costas para o oponente e desacelerava o jogo, sem que fosse desarmado – muitas vezes também chamava a dobra e aí fazia sua equipe circular. Ele gastou a bola, essa é a verdade.

“Não faz diferença se eu faço gol ou não. Foi motivo de felicidade, mas não de alívio [ter encerrado seu jejum em Copas do Mundo]. Nunca penso: ‘Ah, preciso fazer um gol’. Para que um gol se concretize, muita coisa precisa acontecer”, afirma.

“Você precisa do movimento do seu companheiro, de alguém para criar espaço. O importante não é apenas colocar a bola na rede. Sempre tenho isso em mente. As pessoas se concentram em gols, gols e gols. Elas não entendem a essência do futsal”, diz. “O gol é importante, mas outras coisas também são. Sempre me concentro em ajudar minha equipe, defendendo, há muito o que fazer. A torcida sempre quer gols, mas como profissionais não focamos nisso.”

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No vestiário da Seleção, Dyego exerce sua liderança com sua conduta exemplar e dedicação extrema. É visto como um capitão humilde, mas que, quando fala, se expressa com firmeza, passando segurança e confiança aos companheiros.

Em quadra, sua técnica é indiscutível, mas também é daqueles jogadores de leitura capazes de processar o futsal em tempo real, dentro de quadra, e depois explicar as partidas em mínimos detalhes.

“É normal ver as pessoas cobrarem que joguemos demos 100% em quadra. Mas, no futsal, não é assim. Claro que vou dar meu máximo, mas você chega ao 100% aos poucos. Num esporte tão intenso como esses, se você for 100% em todas as jogadas, não chega ao final”, diz.

E, assim, com a perna esquerda ainda frágil, Dyego realmente não poderia chegar ao seu 100% no início do Mundial. Mas ninguém vai poder questionar que seus cálculos estavam certos.