Era manhã de uma terça-feira. Para muitas pessoas que estavam no Minas I, a data não tinha nada de especial. Nenhuma delas comemorava mais um ano de vida, uma promoção no trabalho ou um título internacional conquistado, na noite anterior, pelo time de coração. Para muitos, nada de extraordinário, nada fora do comum. Para uma pessoa, no entanto, um dia mais do que especial. Tão especial quanto os outros que teria pela frente.

É uma repetição de movimentos, uma sequência que parece não ter fim. De frente para gol, em posição de quem está preparado para fazer uma defesa, ele espera pelo chamado. A concentração é alta. Os ouvidos estão atentos, sabem isolar qualquer barulho que possa atrapalhar. Sem piscar, aguarda pelo alvo. Então, ele escuta uma “vai”. Esse é o código para que o goleiro Bianchini, do Supermercados BH/Minas, dê um giro de 180 graus e salte para fazer a defesa. E foram várias defesas. Alguns chutes, porém, passavam pelo arqueiro e balançavam a rede. Mas não há tempo para ficar lamentando, porque Bianchini, assim como os outros goleiros do time minastenista, precisa repetir o movimento muitas e muitas vezes.

Assim começa o treino do experiente jogador. Um dia que poderia não ter nada de especial, mas é importante para o camisa 1. Aos 33 anos, Rafael Bianchini Silveira, comemora o retorno às quadras após um ano e quatro meses fora de atividade. Uma lesão na coluna quase interrompeu a carreira do jogador que conquistou títulos e veste a camisa do Minas Tênis Clube há mais de dez anos.

17.03_bianchini_minas_2

“Foi uma cirurgia bem delicada, a gente não tinha nem tanta certeza do sucesso da intervenção. Era um problema que me tirava dos treinos, eu tinha que ficar afastado durante algum tempo das atividades, às vezes ficava parado mais de um mês. Chegou a um ponto em que não tinha uma vida saudável, normal, o que me atrapalhava muito. Para um goleiro, isso faz muita diferença. Então, procuramos um especialista na área, porque é uma cirurgia bem complexa”, conta o jogador. A lesão ameaçou interromper a carreira de quem já foi convocado para a seleção brasileira e é um dos principais nomes do Supermercados BH/Minas. Na ausência dele, Thomaz assumiu a titularidade do gol minastenista.

17.03_bianchini_minas_3

Para um vitorioso no esporte, ficar afastado de treinos e jogos não é uma tarefa fácil. Bianchini não podia participar das atividades feitas pelo time que defende desde 2001. Ele não tem dúvidas quanto ao pior momento que viveu em pouco mais de um ano afastado. O apoio da família foi fundamental para que ele tivesse força no período pós-operatório. “A cirurgia foi feita no fim de 2014, e nos primeiros três, quatro meses de pós-operatório, passei pelo período mais difícil da minha vida. Se não fosse minha esposa e minha filha, dificilmente eu teria passado por isso. Claro que teve o apoio do Minas, mas o apoio da família foi muito importante. Acho difícil um ser humano suportar mais dor do que eu suportei nesses primeiros quatro meses. Mas cada um tem sua história de superação. Eu levei mais como um aprendizado, um amadurecimento, repensei algumas coisas da minha vida”.

Paulo César Cardoso, técnico do Supermercados BH/Minas, conhece Bianchini desde 2002. O treinador minastenista já foi atleta de futsal, mas, prematuramente, abandonou a carreira por conta de uma lesão no joelho. Paulinho – como é chamado pelo elenco – sabe o que o goleiro teve que enfrentar. Ele acredita que arqueiro teve medo de não poder voltar a jogar, mas destaca o trabalho feito pela equipe médica que cuidou do jogador. “Eu tenho certeza que passou na mente dele (o medo de parar de jogar). Não que ele não quisesse mais jogar, mas eu tenho certeza que ele pensava na possibilidade de não voltar mais. Isso era uma situação, mas ele canalizou isso para trabalhar mais. O médico que operou o Bianchini fez uma cirurgia excelente, mas o Silvânio (Signoreti, fisioterapeuta do Clube) teve uma parcela incrível nessa recuperação, sempre colocando o Bianchini para frente, com trabalhos pontuais. Mas acredito que tenha passado esse medo na cabeça dele”, destaca o técnico.

17.03_bianchini_minas_4

A cirurgia e o tratamento para reabilitação foram um sucesso. O retorno às quadras aconteceu mais rápido do que o planejado. “Logo depois da cirurgia, comecei o tratamento, a evolução foi muito rápida. Tive o apoio e o acompanhamento do Silvânio (Signoreti), que esteve comigo durante todo o tratamento. Graças a Deus a evolução foi muito boa, teve o empenho de todo mundo aqui. Foi tão bom que eu voltei antes do previsto, tendo a possibilidade de treinar e jogar. Voltei a jogar, me sentindo muito bem, melhor do que eu estava antes”, conta o goleiro.

Rio Grande do Sul: o retorno

Com a chegada de quatro importantes reforços (o fixo Ciço, os alas Zequinha e Bruninho e o ala/pivô Gessé), a apresentação do Supermercados BH/Minas estava marcada para 11 de janeiro. Os três primeiros dias foram reservados para exames médicos, que avaliam a condição física dos jogadores após as festas de fim de ano. Logo depois, começaram os treinos físicos e táticos. Seria um longo período sem jogos até o início da Taça Brasil, disputada em Carlos Barbosa (RS), entre os dias 29 de fevereiro e 6 de março. Mas uma outra competição apareceu para o time mineiro. A equipe foi convidada a participar da 1ª Supercopa Gaúcha, disputada em Capão da Canoa, também no interior do Rio Grande do Sul, entre 16 e 20 de fevereiro. Além de ser a estreia na temporada 2016, o torneio seria uma importante preparação para a Taça Brasil. Paulo César Cardoso divulgou a lista do grupo que iria viajar para a competição, e Bianchini estava nela.

Na 1ª Supercopa Gaúcha, Bianchini só disputou uma partida. No restante do torneio, Thomaz assumiu a titularidade. O Supermercados BH/Minas não levantou o troféu, mas já estava pronto para a Taça Brasil. A equipe minastenista buscava o terceiro título na competição. A primeira conquista veio em 2002, e a segunda em 2012, quando o time contava com Bianchini no gol e Paulo César Cardoso como técnico. Sabendo da qualidade do camisa 1, o treinador resolveu arriscar. Desde a primeira a fase da Taça Brasil, Bianchini atuou em todas as partidas. “O Bianchini tem um histórico muito forte com a gente. Então, quando você vê um pouco dele, já quer o Bianchini. Foi isso que aconteceu na 1ª Supercopa Gaúcha. Ele jogou uma partida e passou uma segurança incrível. Mas você pode pensar que o cara ficou mais de um ano sem jogar e já vai disputar uma Taça Brasil. Só que ele passa confiança. Eu resolvi arriscar, e deu certo”, disse Paulo César.

17.03_bianchini_minas_5

Depois de um ano e quatro meses sem jogar, o goleiro acredita que teve boas atuações com a camisa do Clube. As expectativas foram superadas. “Eu me senti muito bem nos jogos. Claro que na 1ª Supercopa Gaúcha, que foi antes da Taça Brasil, eu estava um pouco apreensivo, porque acontecem algumas situações no jogo que a gente não consegue reproduzir no treino. Algumas coisas eu só iria viver jogando. Acho que superei as expectativas, inclusive a minha. Fiz bons jogos, me sentindo bem e me recuperando muito bem para os dias seguintes. Estou motivado e animado por saber que ainda estou no processo de evolução, que ainda vou ganhar massa muscular, força. Como foi tudo muito rápido, a tendência é que a gente corrija algumas falhas que acontecem. Assim eu posso evoluir mais e chegar a um nível alto, sem ter lesão alguma”.

O Supermercados BH/Minas fez boa campanha na Taça Brasil, mas não conseguiu sair com o título, sendo derrotado pelo Assoeva (RS), na semifinal, por 3 a 0. Mesmo assim, o técnico Paulo César Cardoso acredita que o time fez boa campanha em Carlos Barbosa. O treinador elogia o goleiro. “Ele foi um excelente atleta lá, esteve acima de qualquer média. É de impressionar, estamos falando de um atleta que ficou mais de um ano parado, só disputou um jogo e já foi direto para uma Taça Brasil. A história de superação dele é incrível”.

O início

17.03_bianchini_minas_6

O começo no futsal foi tarde, apenas aos 14 anos. Em Brasília, nos campeonatos federados, Bianchini jogava no gol. Nas competições escolares, atuava na linha. Tentou a sorte no futebol e foi aprovado nos testes feitos no Cruzeiro. A altura (1,79m), porém, não ajudava quem queria jogar no campo. Então, o arqueiro precisou fazer uma escolha e optou por se dedicar ao futsal. “Comecei jogando em Brasília, no Minas Tênis Clube de lá. Depois, fui para o Atlético e, em 2001, me transferi para o Minas”, lembra.

Um ano depois de chegar ao Clube, Bianchini teve o primeiro contato com atual técnico, que o coloca entre os quatro melhores jogadores que já viu atuar. “Aqui no Minas, eu encontrei o Bianchini em 2002, 2003. Acho que era o primeiro ano de adulto dele. E lá, ele já tinha demonstrado uma capacidade incrível. Para a disputa da Taça Brasil de 2002, 2003, muitos atletas saíram do time, mas os goleiros ficaram e ele ganhou a posição. Foi uma situação bem contestada na época, mas ele era o melhor. Eu conheço ele, sei da vida pessoal dele, é um ser humano sensacional, um cara do bem. E é um profissional como poucos, está entre os quatro melhores goleiros que eu vi jogar. Por que ele está no Minas? Porque ele nunca quis sair de Belo Horizonte, ele sempre quis ficar aqui”, destaca Paulo César.

Com o passar do tempo, Bianchini foi se destacando no futsal brasileiro. Vieram títulos e convocações para a seleção brasileira. Rodando o país, enfrentou vários atletas. Um deles passou a ser companheiro de time na atual temporada. O ala Bruninho lembra do primeiro encontro que os dois tiveram. Na ocasião, Bianchini levou a melhor. “Foi um jogo em Petrópolis, há muitos anos. Lembro que o meu time precisava muito da vitória, mas não conseguimos vencer graças às defesas dele. Foi um jogo que ele pegou muito. Se eu não me engano, foi no ano de 2007 ou 2008. Mas o que eu lembro é que ele fechou o gol. Depois, nos enfrentamos várias vezes”, lembra o reforço minastenista. O ala também destaca as qualidades que observa no goleiro. “Joguei muito contra ele, sempre reparando que é um goleiro muito técnico, muito ágil dentro do gol. Apesar dele não jogar muito com os pés, que é uma coisa que hoje está na moda, é um cara que se destaca dentro do gol. Ele tem a técnica como um diferencial. Agora, jogando com ele, posso dizer que é um cara que treina muito, uma pessoa bem tranquila. O Bianchini e os outros goleiros do time treinam muito, começam sempre antes dos treinos dos jogadores de linha. É um cara bastante focado no trabalho”, conclui.

O quinto reforço

17.03_bianchini_minas_7

A volta de Bianchini ao Supermercados BH/Minas é tão importante que é tratada pelo técnico Paulo César Cardoso como a chegada de um quinto reforço para a temporada 2016 do futsal nacional. Além da segurança nos jogos, Bianchini também contribui com sua experiência na formação dos jovens goleiros da equipe. Na Taça Brasil, por exemplo, o time mineiro contava, no banco, com Thomaz e Lucas Henrique, ambos com 22 anos. O camisa 1 do Supermercados BH/Minas é uma referência para aqueles que estão começando na carreira profissional. “Eu sempre falo que existem duas equipes dentro uma só. Os goleiros já são uma equipe. Muitas vezes, eles estão treinando separados do grupo. Então, ele assume tudo isso, ele puxa os treinos. O Bianchini é o espelho, o exemplo de todos. Enquanto equipe, ele é um dos quatro melhores goleiros que eu vi jogar, e olha que eu comecei a jogar em 1982, passei por todas as gerações. Posso dizer que ele é um dos quatro melhores que eu vi jogar. Estando no nosso time, ele encorpa de uma maneira muito grande. É o quinto reforço para a esta temporada”, destaca o treinador.

O ala Bruninho também acredita que o time ganha muito com a volta do goleiro. “O time ganha muito com a volta dele, é um cara que está muito bem adaptado ao clube, é uma referência aqui dentro. É um vitorioso, ficou mais de um ano fora por conta de uma cirurgia delicadíssima. Ele conseguiu voltar antes e em alto nível. Isso mostra a determinação que ele tem”.

Notícia e Imagens: Site Oficial Minas