Adolfo Pegoraro

Serginho Schiochet, técnico do Marreco Futsal, com os troféus de campeão da Liga Futsal Paraná (LFP) de 2019. Foto: Adolfo Pegoraro

O técnico Serginho Schiochet vai para a sua terceira temporada no comando do Marreco Futsal. Ex-atleta e treinador da Seleção Brasileira, o catarinense de Piratuba projetou a sua carreira de treinador com uma surpreendente campanha na Liga Nacional de 2013, levando o Concórdia à final contra a Intelli do craque Falcão, eliminando favoritos como Carlos Barbosa e Joinville. Mesmo com baixo investimento, aquela equipe apostou em jovens jogadores, que hoje são referência mundial, como o pivô Pito, melhor pivô da Liga de Futsal Espanhola, atuando pelo Inter Movistar.

Em entrevista, Serginho Schiochet fez uma comparação do Marreco de 2021 com o Concórdia de 2013. Resta saber se o time vai encaixar ou não, mas as características dos atletas são muito parecidas. O treinador do Marreco ainda comentou sobre os tempos de Seleção Brasileria como atleta e como jogador e o fato de faltar uma medalha de ouro na sua coleção: a Liga Nacional de Futsal, que já bateu quatro vezes na trave, com quatro vice-campeonatos, sendo três como jogador e uma como treinador.

 Como era a sua infância relacionada ao futsal?

O meu envolvimento com o futsal foi muito fraco na infância, não tive essa oportunidade. Como eu morava no interior (município de Piratuba, comunidade de Uruguai), meio período a gente estudava e meio período a gente estava nos afazeres da agricultura. Então basicamente nesse período de infância essa era a minha rotina. Claro que a gente brincava também e o único envolvimento com o futsal era nas aulas de Educação Física. Mas não tive um trabalho de base como muitas crianças têm hoje.

O futsal que você aprendeu quando jovem mudou muito para o futsal de hoje em dia?

A mudança da minha geração para agora é muito grande. Hoje a gente acompanha muitos clubes com profissionais formados dando oportunidades para essas crianças. Sempre com treinamentos, educando as crianças com trabalhos técnicos, domínio, passe, chute, enfim. Muitos clubes estão investindo bastante nesse trabalho de base, coisa que eu acho muito importante porque essa é a forma de revelarmos talentos a todo momento. Os clubes que compram a ideia da base acabam tendo uma grande vantagem por estar preparado em todas as categorias.

Como foi a sua história como atleta de futsal?

A minha história é um pouco diferente da grande maioria. Como eu não tive uma oportunidade de jogar em categorias como sub-15, sub-17, sub-20, enfim, tive um envolvimento mais tardio. Comecei a me dedicar mais nos anos 1980, disputando competições na cidade de Concórdia. Em 1983, eu fui convidado a trabalhar na empresa Sadia e praticamente fazer parte do clube de futsal da empresa. Aí foi que começou a minha trajetória toda, já com um trabalho profissional. Mas eu já tinha quase 23 anos. Eu trabalhava na empresa e jogava e fiquei nesse formato até o final de 1993. A partir daí a empresa entrou com uma política de reduzir seus investimentos em praticamente todas as modalidades, aí tive a proposta pra ir embora, sair de Concórdia, já com 32 para 33 anos. Embora eu tinha uma idade um pouco avançada, mas era um desejo enorme que eu tinha e queria continuar jogando. Aí houve o convite pra ir pro Rio Grande do Sul, para a Enxuta, e aí começou essa minha vida de ‘cigano’ (risos), dependendo única e exclusivamente do futsal. Abracei essa carreira porque eu não podia mais voltar para trás, pois eu tinha perdido o meu emprego, minha esposa também saiu do emprego dela. Aí foi a minha trajetória, eu fiquei no Rio Grande do Sul por cinco ou seis anos, joguei também no Carlos Barbosa e na UCS, depois em São Paulo por mais cinco ou seis anos, jogando no São Paulo FC, no Banespa, entre outros clubes. Tive a preparação e o comprometimento de jogar até os 45 anos, foi um marco muito importante na minha carreira. Na metade de 2006 eu parei, joguei a minha última Liga Nacional pela UCS de Caxias do Sul (RS) e acabei parando e partindo pro lado de treinador na primeira oportunidade que apareceu e estamos até hoje nessa função.

Como atleta, como foi pra você participar da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira?

Foi a realização de um sonho. Depois que eu abracei a modalidade, me destaquei em alguns clubes que passou, joguei por seis anos pela Seleção Brasileira. Nunca imaginei que pudesse participar de uma Seleção Brasileira. Tivemos várias conquistas. Para mim, o Mundial de 1992 foi um marco na carreira. Vencemos um Mundialito, um Sul-Americano, Copa América, enfim, vencemos praticamente todas as competições. Era bem diferente de hoje, não eram tantas competições internacionais como tem hoje. Como eu estava fora desse eixo Rio-São Paulo-Ceará, que tinha a maior parte dos convocados, então foi ainda mais gratificante. A primeira vez que fui convocado eu estava na Sadia de Concórdia. E essas convocações vieram coroar o trabalho que a gente fez em todas essas equipes.

Como treinador, como foi pra você participar da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira?

São duas situações, eu acho que poucos profissionais tiveram essa oportunidade de jogar e treinar a Seleção Brasileira. E com o destaque de chegar a várias conquistas com equipes de médio investimento, consegui dirigir o Brasil como treinador. Foi o reconhecimento pelo trabalho que a gente estava desenvolvendo no período. Foi um momento difícil da Confederação (CBFS), com todos os problemas que atravessaram e ainda estão atravessando, então a gente não podia virar as costas pra Confederação, já que foi um convite naquele momento, de assumir a Seleção Brasileria, até com a indicação de alguns jogadores. A gente procurou ajudar em todos os sentidos, com muitas dificuldades de estrutura. Mesmo assim, acho que conseguimos fazer uma campanha satisfatória nesse período que fiquei de dois anos, fomos bicampeões do Grand Prix, campeões das Eliminatórias Sul-Americanas, participamos de um jogo que foi um marco para o futsal, que foi montada a estrutura da modalidade no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, no desafio contra a Argentina, para 56 mil pessoas. E aí no Mundial, infelizmente, o Brasil não conseguiu chegar nas finais, que era o nosso grande objetivo, mesmo sabendo que não foi uma preparação adequada. A gente pegou essa geração de 2008 e 2012, e chegando em 2016 já estava no processo de alguns jogadores já parando, outros numa fase de fim de carreira. E não conseguimos fazer um trabalho planejado como foi 2008 e 2012. Mas a gente tinha fé e esperança que, mesmo com esses problemas, com a qualidade individual dos jogadores, a gente conseguiria chegar nas finais. Mas o comprometimento da comissão técnica e do grupo de jogadores foi muito grande na Colômbia, sempre procurando fazer o máximo. Ninguém ficou pensando na parte financeira e todos conseguiram focar somente no futsal. Fomos pro Mundial muito focados, mesmo sabendo do crescimento de outras seleções nos últimos anos. E no jogo derradeiro, contra o Irã, na minha visão foi o melhor jogo que o Brasil estava fazendo, estava ganhando de 2 a 0, depois teve empate, prorrogação, acabamos perdendo nos pênaltis. Foram situações que aconteceram, mas não me arrependo de nada. Procurei trabalhar sempre com a minha cabeça no lugar. Com a ajuda da comissão técnica, procuramos sempre ser o mais justo possível com as convocações. Infelizmente o destino quis que naquele momento a gente não fosse para as finais. Lamentavelmente não foi bom, mas a vida tem que seguir. Não fica uma decepção por não ter conseguido levar o Brasil para mais uma decisão ou um título da Copa do Mundo.

Qual foi sua maior alegria e qual foi sua maior decepção na carreira de treinador?

Graças a Deus eu tenho muito mais alegrias do que tristezas. Não tenho muito a reclamar do que o futsal me deu. Fui atleta profissional por mais de 22 anos, tenho mais de 35 títulos, é uma carreira que, olhando para trás, é muito vitoriosa. Só tenho que agradecer a Deus pela carreira que eu tive como atleta. Mas talvez a maior conquista foi o Mundial de 1992 com a Seleção Brasileira. Por toda a dificuldade que eu tive na minha infância, e depois começar tarde a jogar. Nunca imaginei ser um atleta profissional, nem se fala chegar numa Seleção Brasileira e ser campeão Mundial. Você ver o jogo pela televisão já é algo especial, agora estar lá dentro da quadra, vivenciar aquela experiência, hino nacional, bandeiras, torcida, é algo que marcou muito a minha carreira. Decepção talvez seja não ter conseguido um título da Liga Nacional, eu perdi três finais consecutivas como jogador, em 1996 com o Vasco da Gama, 1997 com o Banespa e 1998 com o Carlos Barbosa. Chegar numa final de Liga Nacional já é uma grande conquista, mas eu queria ter vencido, tive essas três oportunidades como atleta, infelizmente não conseguimos. Quando eu olho minhas medalhas e reportagens, falta essa conquista. Como jogador eu não terei mais essa oportunidade. Como treinador eu já tive a chance em 2013, com o Concórdia, chegamos na final. Foi um projeto humilde, chegar na final já era algo muito difícil. Mas como treinador, ainda estamos caminhando pra isso, em busca desse título.

Qual o segredo daquele time do Concórdia de 2013, que chegou na final da Liga Nacional, mesmo com baixo investimento?

Esse 2013 vai ficar marcado na nossa vida, na minha particular como treinador, e para os jogadores e para a cidade de Concórdia. Perdemos a final da Superliga e a final da Liga Nacional. As duas competições perdemos para a Intelli, que na época jogava em Orlândia (SP). Na Superliga, ficamos vice com dois empates, o time de Orlândia tinha a melhor campanha e ficou com o título. O Concórdia investia cerca de R$ 40 mil ou R$ 50 mil por mês, tinha jovens jogadores. O maior nome talvez era o Gian Wolverine, que estava sem jogar muito no Jaraguá do Sul e que foi muito bem concosco. O Rafinha Poffo e o Marquinhos estavam jogando no futsal do Paraná, também eram mais conhecidos. Os demais, como é o caso do Dé, o Pito, o Biel, aproveitaram as oportunidades em 2013 e hoje são referências no futsal mundial. Era uma equipe muito rápida, jogadores com biotipo que eu gosto muito, com marcação forte, contra-ataque muito rápido. O time foi se encaixando e acreditando neles também, aquilo que a gente passava nos treinamentos, para cada um acreditar um pouco mais no seu potencial. Quando começamos os playoffs foi fatal, tiramos Carlos Barbosa, Joinville, sempre decidindo na casa do adversário. Tudo deu certo, um grupo muito comprometido, comissão técnica também, não tinha nada de errado, sempre alegria no trabalho. Nossa estrutura não era das melhores, mas era boa, ginásio bom. Algumas situações que foram se encaixando, a identidade de grupo foi se fechando, e é isso que a gente busca muito em um grupo, que seja comprometido. E isso às vezes acaba fugindo do nosso controle. O Marreco do ano passado estava num caminho muito bom, infelizmente a pandemia parou com tudo. Acabou descaracterizando algumas situações. Mas realmente o Concórdia de 2013 ainda hoje fica marcado pela sua aplicação tática, um jogo envolvente, um jogo rápido. Em 2013 a gente tinha uma marcação intensa, na pressão, em poucos momentos o time recuava pra meia quadra. Foram coisas importantes que conseguimos fazer e essas lembranças estão vivas a todo momento em nossas mentes.

Você vê alguma semelhança entre o Marreco de 2021 e o Concórdia de 2013?

O grupo do Concórdia de 2013 era mais jovem. Não tinha tantos jogadores com uma certa bagagem, como é o grupo de 2021 do Marreco. Nós trouxemos alguns jogadores com um pouco mais de experiência, acostumado a grandes jogos, grandes decisões, pra justamente qualificar o grupo com a manutenção de alguns do ano passado. Então a gente foi buscar no mercado jogadores com características que me agradam e que a gente acredita que vai qualificar no entrosamento com os demais. Fizemos vários jogos muito bons ano passado. A gente só precisava agregar com os atletas do ano passado, pra poder fazer algumas coisas diferentes do ano passado. Quero um Marreco com um pouco mais de tranquilidade nas partidas. Tivemos situações em que os jogadores foram a um desgaste enorme no ano passado, por não ter um grupo grande. Mas o Concórdia de 2013 e o Marreco de 2021 têm características parecidas, mas com uma bagagem a mais dessa equipe do Marreco, que é onde mora a nossa esperança que possa me ajudar em momentos decisivos de jogos.

Adolfo Pegoraro

Serginho Bigode abraça o técnico Takão, da Seleção Brasileira, após a conquista do Mundial de 1992. Foto: Adolfo Pegoraro