Arquivo Pessoal

Daniel Rosa joga no Mfc Prodexim, da Ucrânia. Foto: Arquivo Pessoal

Tanques, caminhões e militares de um país, dividindo as ruas com civis de outras nações em uma cidade sob domínio durante uma guerra. Parece cena de filme, mas essa virou a rotina de um jaraguaense que mora em Kherson, na Ucrânia, hoje dominada por russos em meio a conflitos entre os dois países.

Depois de uma entrevista exclusiva ao Avante! e OCP concedida há uma semana, quando iniciou a invasão da Rússia ao território ucraniano, o jogador de futsal Daniel Rosa, de 28 anos, voltou a relatar os momentos de tensão vividos na cidade portuária de quase 300 mil habitantes ao sul do país.

De sete dias pra cá, muita coisa mudou. Após muitas incertezas em relação as ofensivas russas no município, a atual semana começou com muitos barulhos de bombas e tiros.

Os estrondos que pareciam distantes na segunda-feira (28), se agravaram no dia seguinte. Com a notícia de uma possível invasão na área central, a terça (1º) foi de muitos conflitos que iniciaram pela manhã e perduraram até a madrugada de quarta-feira (2), quando a tropa russa passou a controlar a cidade.

“É uma coisa inacreditável e de filme. Ficamos sem reação, sem saber o que fazer…Foi o dia mais intenso. De manhã até madrugada escutamos muitos barulhos de tiro e bomba mais perto e nos deixou apavorados”, contou Daniel.

Arquivo Pessoal

Tanques nas ruas da cidade. Foto: Arquivo Pessoal

O atleta do Mfc Prodexim mora sozinho, mas desde domingo (27), divide seu apartamento na região central de Kherson com outros dois brasileiros companheiros de time – Ewerton Florêncio e Cláudio Garcia – e uma tradutora ucraniana.

Com o exército da Rússia na ‘porta de casa’, o jeito foi ficar confinado à espera de novidades. E ela veio na mesma noite. Os militares invadiram a prefeitura da cidade e conversaram com o prefeito, que curiosamente, é o presidente do clube de futsal.

A autoridade não entregou a cidade nas mãos dos russos, mas um acordo foi fechado para que a população pudesse voltar às ruas para compra de suprimentos essenciais, sem o perigo de conflitos, que já haviam deixado vítimas fatais no início da invasão.

“Com a notícia, hoje (quinta-feira) fomos pra rua para comprar mais comida e água no mercado. Tinham bastante civis na rua, mas é inacreditável andar ao lado de soldados russos fortemente armados como se fossem pessoas normais. É muito assustador”, relatou.

Mesmo com a situação relativamente mais tranquila, deixar a cidade é inviável no momento. Kherson fica perto da Criméia, região que já foi anexada pela Rússia em 2014.

Sem ônibus ou trens disponíveis, a única maneira seria pegar um carro e ir até a fronteira da Moldávia, que fica a 300km. Porém, a estrada passa por Odessa, cidade na qual o exército russo também já chegou e se torna um perigo iminente para ucranianos ou estrangeiros.

Arte g1

Capital Kiev ao norte do país. Foto: Arte g1

Segundo Daniel, a tensão é diária e muitas pessoas vem tentando uma forma de resgatá-los. Porém, destaca que o momento requer paciência e mantém a esperança de que tudo possa se resolver sem nenhuma adversidade.

“Sabemos que vamos conseguir. No momento, a situação está bem tensa na cidade, porque parece que bloquearam a saída. O pessoal da embaixada brasileira, da Fifa, da Uefa entraram em contato e estão fazendo o possível para nos ajudar. Temos que ter paciência, mas estamos bem e no momento certo tudo vai se resolver da melhor maneira possível”, afirmou confiante.

Pouco descanso e muito pensamento positivo

Daniel Rosa não dorme direito desde o início da invasão da Rússia à Ucrânia e a angústia toma conta por não saber o que virá pela frente, principalmente após o domínio russo em Kherson.

“Dormir a gente não dorme. Tiramos um cochilo ou outro, porque já acordamos cedo pra pegar o celular em busca de notícias e ver o que está acontecendo. Está sendo uma experiência bem difícil e tensa”, disse.

Apesar das incertezas, o jaraguaense demonstra um psicológico inabalável e um pensamento positivo de que tudo será solucionado o mais breve possível.

“O que pedimos é que o pessoal continue rezando e torcendo pela gente. Cada mensagem nos anima muito e nos mantém forte. Como estamos em mais gente no apartamento, nos ajudamos bastante e conversamos sobre outras coisas enquanto não temos novidades. Aprendemos a pensar muito positivo e temos certeza que tudo vai ser resolver”, declarou.

Falta de itens no mercado

Passados sete dias da guerra, Daniel relata que os mercados de Kherson já estão com muitas prateleiras vazias e falta de itens básicos.

Alimentos como frango, carne e ovos não existem mais. Apenas bolachas, salgadinhos, nuggets e outros produtos deste gênero estão à disposição.

Por sorte, o jogador conseguiu comprar uma boa quantidade de alimentos na última semana que será o suficiente por um bom período caso seja necessário. Para isso, ele e os demais colegas de apartamento racionam comida diariamente.

“Fome não estamos passando. Não é o jeito certo de comer, mas é o de menos na situação que estamos. Tendo alimento e água não nos preocupamos, mas as prateleiras estão ficando cada vez mais vazias no mercado. Estamos racionando comida, então procuramos fazer uma boa refeição por dia, já que temos macarrão, arroz e feijão que trouxemos do Brasil. No resto do dia comemos as ‘porcarias’ para matar a fome”, contou.

Apreensão da família e irmão na Rússia

A guerra assusta não somente os brasileiros que vivem na Ucrânia, mas também a família deles no Brasil. No caso de Daniel, o atleta tem o pai, a mãe e um irmão em Jaraguá do Sul, e mais um irmão que está do outro lado da guerra. Leonardo Mendonça da Rosa, de 34 anos, também é jogador de futsal e atua no Norilsk Nickel, de Moscou, capital russa.

Os irmãos iniciaram as carreiras em Jaraguá do Sul, passaram pela equipe profissional do Jaraguá e chegaram a jogar juntos no Kairat, do Cazaquistão, mas hoje estão separados pela guerra.

Divulgação Kairat

Daniel (D) e Léo (C) jogaram juntos no Kairat, em 2018. Foto: Divulgação Kairat

De acordo com Léo, como é mais conhecido, a preocupação com Daniel que está ‘preso’ na Ucrânia é constante e a maior esperança é que haja em breve um cessar fogo ou uma reunião entre os países para que seja encontrada uma maneira de retirar as pessoas que queiram deixar o país.

Afinal, a situação do irmão reflete no dia a dia de toda família e contrasta com a rotina que vive na Rússia.

“Estou do outro lado, onde a vida não mudou nada, com as pessoas seguindo a vida como se nada estivesse acontecendo. Estou treinando, jogando, mas sem cabeça para concentrar. Faz quatro, cinco dias que nem durmo direito. Ligo pro Daniel a todo momento pra saber como estão as coisas, mesmo sabendo que não tem mudança. Temos que rezar pra ter qualquer novidade positiva e ele poder ir embora. Hoje, não me interessa jogar bola ou estar treinando, meu maior desejo é que meu irmão consiga ir pra casa”, enfatizou.

Para amenizar a aflição dos familiares, Daniel relata toda sua rotina e demonstra estar bem psicologicamente e fisicamente.

“Mantemos contato o tempo todo. A cada uma hora eles perguntam se está tudo bem, fazemos chamadas de vídeo e vamos levando do jeito que dá. Tento deixar eles tranquilos, porque realmente estamos bem na medida do possível. Psicologicamente e fisicamente estou bem”, finalizou.

História no futsal

Cria do projeto ‘Futsal Menor’, do Colégio Evangélico Jaraguá, Daniel fez toda base no Jaraguá e teve duas passagens pelo profissional, sendo a última em 2017.

No Brasil, ainda defendeu o Joinville, Magnus e Cometa (RS), enquanto fora do país, vestiu as camisas do Kairat, do Cazaquistão, e Braga, de Portugal, além do Mfc Prodexim, onde está há duas temporadas.

Lucas Pavin

Daniel com a camisa do Jaraguá em 2017. Foto: Lucas Pavin